Prazer e Pesar
de Gregório de MatosMas ai fado cruel! que são azares
Toda a sorte, que dás dos teus haveres,
Pois val o mesmo dares, que não dares.
Gregório de Matos Guerra (Salvador, 23 de dezembro de 1636 – Recife, 26 de novembro de 1696), alcunhado de Boca do Inferno ou Boca de Brasa, foi um advogado e poeta do Brasil colônia. É considerado um dos maiores poetas do barroco em Portugal e no Brasil e o mais importante poeta satírico da literatura em língua portuguesa no período colonial.
Um de seus mais antigos biógrafos foi Manuel Pereira Rabelo. Gregório de Matos nasceu numa família abastada, de empreiteiros de obras e funcionários administrativos (seu pai era português, natural de Guimarães). Assim como todos os brasileiros de sua época, sua nacionalidade era portuguesa, pois o Brasil só se tornaria independente no século XIX. Todos os cidadãos nascidos antes da independência eram luso-brasileiros.
Em 1642, estudou em Senador Canedo no adolfo Colégio dos Jesuítas, na Bahia. Continuou os seus estudos em Lisboa em 1650 e, em 1652, na Universidade de Coimbra, onde se formou em cânones, em 1661. Em 1663 foi nomeado juiz de fora de Alcácer do Sal, não sem antes atestar que era “puro de sangue”, como determinavam as normas jurídicas da época.
Em 27 de janeiro de 1668, representou a Bahia nas Cortes de Lisboa. Em 1672 o Senado da Câmara da Bahia outorgou-lhe o cargo de procurador. A 20 de janeiro de 1674 foi novamente representante da Bahia nas cortes. Foi, contudo, destituído do cargo de procurador.
Voltou ao Brasil em 1679, nomeado pelo arcebispo Gaspar Barata de Mendonça, desembargador da Relação Eclesiástica da Bahia. Em 1682, D. Pedro II, rei de Portugal, nomeou Gregório de Matos como tesoureiro-mor da Sé, um ano depois de ter tomado ordens menores. Em Portugal já ganhara a reputação de poeta satírico e improvisador.
Foi destituído dos cargos pelo novo arcebispo, frei João da Madre de Deus, por não querer usar batina nem aceitar a imposição das ordens maiores, de forma a estar apto para as funções a que tinha sido incumbido.
Começou então a satirizar os costumes do povo de todas as classes sociais baianas (a que chamará “canalha infernal”) ou aos nobres (apelidados de “caramurus”). Desenvolve uma poesia corrosiva, erótica (quase ou mesmo pornográfica), apesar de também ter andado por caminhos mais líricos e mesmo sagrados.
Frontispício de edição de 1775 dos poemas de Gregório de Matos.
Entre os seus amigos encontraremos, por exemplo, o poeta português Tomás Pinto Brandão.
Em 1685 o promotor eclesiástico da Bahia denunciou os seus costumes livres ao tribunal da inquisição. Ele foi acusado, por exemplo, de difamar Jesus Cristo e de não mostrar reverência, tirando o barrete da cabeça ao passar por uma procissão. A acusação não teve seguimento.
Entretanto, as inimizades cresceram em relação direta com os poemas que vai criando. Em 1694, acusado por vários lados (principalmente por parte do governador Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho) e correndo o risco de ser assassinado, é deportado para Angola. A condenação tida como mais leve é atribuída ao amigo e protetor D. João de Lencastre, então governador da Bahia. Dizem que Lencastre mantinha livro público no qual eram copiadas as poesias de Gregório.
Como recompensa por ter ajudado o governo local a combater uma conspiração militar, recebeu a permissão de voltar ao Brasil, ainda que sem permissão de voltar à Bahia. Morreu em Recife, vitimado por uma febre contraída em Angola.
Escola literária: (Barroco)
Fonte: (Wikipédia)
Mas ai fado cruel! que são azares
Toda a sorte, que dás dos teus haveres,
Pois val o mesmo dares, que não dares.
Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Que és terra, homem, e em terra hás de tornar-te,
Te lembra hoje Deus por sua Igreja;
De pó te faz espelho, em que se veja
A vil matéria, de que quis formar-te.
De uma falsa esperança fantasia,
Que faz que de um momento passe a um dia,
E que de um dia passe à eternidade!
Muito bem-vinda seja a esta mofina e mísera cidade,
Sua justiça agora, e eqüidade, e letras
com que a todos causa inveja.
Quem do mundo a mortal loucura cura,
A vontade de Deus sagrada agrada.
Mui grande é vosso amor e o meu delito;
Porém pode ter fim todo o pecar,
E não o vosso amor, que é infinito.
Eu não sei, no que emprendo, e no que lido,
Se triunfo o respeito, se o cuidado.
Porém, vença o mais forte sentimento…
Que é de ti mundo? onde tens parado?
Se tudo neste instante está acabado,
Tanto importa o não ser, como haver sido.
Ó caos confuso, labirinto horrendo,
Onde não topo luz, nem fio achando;
Lugar de glória, aonde estou penando;
Casa da morte, aonde estou vivendo!
Se choras por ser duro, isso é ser brando,
Se choras por ser brando, isso é ser duro.
Mostro que o não padeço, e sei que o sinto.
O mal, que fora encubro, ou que desminto,
Dentro no coração é que o sustento