A Mulher
de Florbela EspancaQuantas e quantas almas endoidecem
Enquanto a boca ri alegremente!
Florbela Espanca (Vila Viçosa , 8 de dezembro de 1894 — Matosinhos, 8 de dezembro de 1930), batizada como Flor Bela Lobo, e que opta por se autonomear Florbela d’Alma da Conceição Espanca, foi uma poetisa portuguesa. A sua vida, de apenas trinta e seis anos, foi plena, embora tumultuosa, inquieta e cheia de sofrimentos íntimos que a autora soube transformar em poesia da mais alta qualidade, carregada de erotização, feminilidade e panteísmo. Há uma biblioteca com o seu nome em Matosinhos.
Filha de Antónia da Conceição Lobo e do republicano João Maria Espanca (1866-1954), nasceu no dia 8 de dezembro de 1894 em Vila Viçosa, no Alentejo. O seu pai foi sobretudo um antiquário e um fotógrafo, tendo também ganho a vida com outras atividades como a de projeção de filmes. De facto, foi um dos introdutores do “Vitascópio de Edison” em Portugal.
Entre 1899 e 1908, Florbela Espanca frequentou a escola primária em Vila Viçosa. Foi naquele tempo que passou a assinar os seus textos Flor d’Alma da Conceição. As suas primeiras composições poéticas datam dos anos 1903 – 1904: o poema “A Vida e a Morte”, o soneto em redondilha maior em homenagem ao irmão Apeles e um poema escrito por ocasião do aniversário do pai “No dia d’anos”, com a seguinte dedicatória: «Ofereço estes versos ao meu querido papá da minha alma» . Em 1907, Espanca escreveu o seu primeiro conto: “Mamã!” No ano seguinte, faleceu a sua mãe, Antónia, com apenas vinte e nove anos, vítima de nevrose.
Em 1913 casou-se em Évora com Alberto de Jesus Silva Moutinho, seu colega da escola. O casal morou primeiro em Redondo. Em 1915 instalou-se na casa dos Espanca em Évora, por causa das dificuldades financeiras.
Em 1916, de volta a Redondo, a poetisa reuniu uma seleção da sua produção poética desde 1915, inaugurando assim o projeto Trocando Olhares. A coletânea de oitenta e cinco poemas e três contos serviu-lhe mais tarde como ponto de partida para futuras publicações. Na época, as primeiras tentativas de promover as suas poesias falharam.
No mesmo ano, Espanca iniciou-se como jornalista em Modas & Bordados (suplemento de O Século de Lisboa), em Notícias de Évora e em A Voz Pública, também eborense. A poetisa regressou de novo a esta cidade em 1917. Completou o 11º ano do Curso Complementar de Letras e matriculou-se na faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Foi uma das catorze mulheres entre trezentos e quarenta e sete alunos inscritos. Aí teve como colegas de curso os escritores e poetas Américo Durão e Mário Beirão.
Um ano mais tarde a escritora sofreu as consequências de um aborto involuntário, que lhe teria infetado os ovários e os pulmões. Repousou em Quelfes (Olhão), onde apresentou os primeiros sinais sérios de neurose.
Em 1919 saiu a sua primeira obra, Livro de Mágoas, um livro de sonetos. A tiragem (duzentos exemplares) esgotou-se rapidamente. Um ano mais tarde, sendo ainda casada, a escritora passou a viver com António José Marques Guimarães, alferes de Artilharia da Guarda Republicana.
Em meados do 1920 interrompeu os estudos na faculdade de Direito. Em 29 de Junho de 1921 pôde finalmente casar-se com António Guimarães. O casal passou a residir no Porto, mas, no ano seguinte, transferiu-se para Lisboa, onde Guimarães se tornou chefe de gabinete do Ministro do Exército. Neste ano o seu pai divorcia-se de Mariana, casando no ano seguinte com Henriqueta de Almeida.
Em 1922, a 1 de Agosto, a recém fundada Seara Nova publicou o seu soneto “Prince charmant…”, dedicado a Raul Proença. Em Janeiro de 1923 veio a lume a sua segunda coletânea de sonetos, Livro de Sóror Saudade, edição paga pelo pai da poetisa. Para sobreviver, Espanca começou a dar aulas particulares de português.
Em 1925, divorciou-se pela segunda vez. Esta situação abalou-a muito. O seu ex-marido, António Guimarães, abriu mais tarde uma agência, “Recortes”, que colecionava notas e artigos sobre vários autores. O seu espólio pessoal reúne o mais abundante material que foi publicado sobre Espanca, desde 1945 até 1981. Ao todo são 133 recortes. Ainda em 1925, a poetisa casou com o médico Mário Pereira Lage, que conhecia desde 1921 e com quem vivia desde 1924. O casamento decorreu em Matosinhos, no Distrito do Porto, onde o casal passou a morar a partir de 1926. Em dezembro de 1925 falece também a “madrasta” e madrinha de Florbela, que lhe lega vários bens.
Em 1930 Espanca começou a escrever o seu Diário do Último Ano, publicado só em 1981. A 18 de Junho principiou a correspondência com Guido Battelli, professor italiano, visitante na Universidade de Coimbra, responsável pela publicação da Charneca em Flor em 1931. Na altura, a poetisa colaborou também no Portugal feminino de Lisboa, na revista Civilização e no Primeiro de Janeiro, ambos do Porto.
Espanca tentou o suicídio por duas vezes mais em outubro e novembro de 1930, na véspera da publicação da sua obra-prima, Charneca em Flor. Após o diagnóstico de um edema pulmonar, a poetisa perdeu definitivamente a vontade de viver. Não resistiu à terceira tentativa do suicídio. Faleceu em Matosinhos, no dia do seu 36º aniversário, a 8 de dezembro de 1930. A causa da morte foi a overdose de barbitúricos. A poetisa teria deixado uma carta confidencial com as suas últimas disposições, entre elas, o pedido de colocar no seu caixão os restos do avião pilotado por Apeles quando sofreu o acidente. O corpo dela jaz, desde 17 de maio de 1964, no cemitério de Vila Viçosa, a sua terra natal.
Escola Literária: (Romantismo)
Quantas e quantas almas endoidecem
Enquanto a boca ri alegremente!
Eu tenho pena da Lua!
Só a triste, coitadinha…
Hei-de morrer contente
Cantando uma canção alegre,
doidamente,
Vinde sorrir-me ainda!
Hei-de morrer contente
Cantando uma canção alegre,
doidamente…
Vive do riso duma boca fria:
Minh’alma é a Princesa Desalento…
A Vida, meu amor, quero vivê-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas hemos de bebê-la!
O ver o teu olhar faz bem à gente…
E cheira e sabe, a nossa boca, a flores
Quando o teu nome diz
Fontes… cisternas…
Enigmáticas campas medievais…
Jardins de Espanha… catedrais eternas…
Berço vindo do Céu à minha porta…
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!
Passei a vida a amar e a esquecer…
Eu sei lá bem quem sou?
Um fogo-fátuo, uma miragem… Sou um reflexo…
Um canto de paisagem, ou apenas cenário!
Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!…
Deus fez os nossos braços pra prender,
E a boca fez-se sangue pra beijar!