Reflexão nº 1
de Murilo MendesNinguém sonha duas vezes o mesmo sonho
Nem ama duas vezes a mesma mulher
Murilo Monteiro Mendes (Juiz de Fora, 13 de maio de 1901 — Lisboa, 13 de agosto de 1975) foi um poeta e prosador brasileiro, expoente do surrealismo brasileiro.
Telegrafista, auxiliar de contabilidade, notário e Inspetor do Ensino Secundário do Distrito Federal. Foi escrivão da quarta Vara de Família do Distrito Federal, em 1946. De 1953 a 1955 percorreu diversos países da Europa, divulgando, em conferências, a cultura brasileira. Em 1957 se estabeleceu em Roma, onde lecionou Literatura Brasileira. Manteve-se fiel às imagens mineiras, mesclando-as às da Sicília e Espanha, carregadas de história.
Murilo Mendes iniciou-se na literatura escrevendo nas revistas modernistas Terra Roxa, Outras Terras e em Antropofagia. Os seus livros Poemas (1930), História do Brasil (1932) e Bumba-Meu-Poeta, escrito em 1930, mas só publicado em 1959, na edição da obra completa intitulada Poesias (1925–1955), são claramente modernistas, revelando uma visão humorística da realidade brasileira. Tempo e Eternidade (1935), quando escreve também “Os Quatro Elementos”, um de seus melhores livros da primeira fase, marca a conversão de Murilo Mendes ao catolicismo. Nesse livro, os elementos humorísticos diminuem e os valores visuais do texto são acentuados. Foi escrito em colaboração com o poeta Jorge de Lima.
Nos volumes da fase seguinte, Poesia em Pânico (1938), O Visionário (1941), As Metamorfoses (1944) e Mundo Enigma (1945), o poeta apresenta influência cubista, sobrepondo imagens e fazendo o plástico predominar sobre o discursivo. Poesia Liberdade (1947), como alguns outros livros do poeta, foi escrito sob o impacto da guerra, refletindo a inquietação do autor diante da situação do mundo. Colaborou no semanário Mundo Literário existente entre 1946 e 1948. Em 1954, saiu Contemplação de Ouro Preto, em que Murilo Mendes alterou sua linguagem e suas preocupações, reportando-se às velhas cidades mineiras e sua atmosfera. Daí por diante, o poeta lançou-se a novos processos estilísticos, realizando uma poesia de caráter mais rigoroso e despojado, como em Parábola (1946-1952) e Siciliana (1954–1955), publicados em Poesias (1925–1955). As características desse período atingem sua melhor realização no livro Tempo Espanhol (1959).
Em 1970, Murilo Mendes publica Convergência, um livro de poemas vanguardistas com influência do concretismo. Murilo Mendes também publicou livros de prosa, como O Discípulo de Emaús (1944), A Idade do Serrote (1968), Livro de memórias e Poliedro (1972). Ao morrer, em Lisboa, deixou inéditas várias obras.
Escola Literária: (Modernismo)
Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho
Nem ama duas vezes a mesma mulher
Diante do crucifixo
Eu paro pálido tremendo…
Quantas meninas pela vida afora!
E eu alinhando no papel as fortunas dos outros.
Fatigados caminhos refazemos
Da outrora máquina da mineração.
É nossa própria forma, o frio molde
Que maduros tentamos atingir…
Montes contempladores, circunscritos
Entre cinza e castanho, o olhar domado
Recolhe vosso espectro permanente.
Ouço balidos pelo mundo inteiro:
Matam o cordeiro branco redentor.
Templo de experiência e expiação,
O incenso da matéria se respira
Nas tuas arcadas nuas e rochosas.
Alguém anda a construir uma escada pros meus sonhos.
Meu pensamento desloca uma perna,
o ouvido esquerdo do céu não ouve a queixa dos namorados.
Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Observo, ó Pai, a tua arquitetura.
Este corpo não admite o peso da cabeça…
Tudo se expande num sentido amargo.
É terrível pensar que a morte está
Não apenas no fim, mas no princípio
Dos elementos vivos da criação.
O poeta futuro já vive no meio de vós
E não o pressentis.