Quando olho para mim...
de Fernando PessoaSerei tal qual pareço em mim? Serei
Tal qual me julgo verdadeiramente?
Serei tal qual pareço em mim? Serei
Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mas não servia ao pai, servia a ela,
Que a ela só por prêmio pertendia.
Os dias na esperança de um só dia
Passava, contentando-se com vê-la:
Não se pode sonhar impunemente
Um grande sonho pelo mundo afora,
Porque o veneno humano não demora
Em corrompê-lo na íntima semente...
Que amor é esse que a própria vida deu,
Deixando Sua glória, vindo ao mundo pra morrer?
Sobre Chopin a noite abre o amplo manto constelado:
um delírio de amor anda por tudo, insone, insano!
Em cada nota solta há como um lânguido lamento.
Conheci mais tristeza que ventura
E sempre andei errante e peregrino.
Vivi sujeito ao doce desatino
Que tanto engana mas tão pouco dura...
É um rebelde também, cérebro largo,
Que odeia os reis e os padres excomunga.
Uns aos outros se impedem na saída
e querem cometer e não se abalam,
e vou para falar e fico mudo.
Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
-"Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"