O Amor Quando se Revela
de Fernando PessoaMas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
Batismo e extrema-unção, naquele instante
Por que, feliz, eu não morri contigo?
Tudo imóvel... Serenidades...
Que tristeza, nos sonhos meus!
E quanto choro e quanto adeus
Neste mar de infelicidades!
O Viajante traça seu caminho, afinal,
Sob o sol fresco e intermitente;
E o potro persegue encurvado, silente,
O tortuoso eco de suas pisadas.
O amor antigo vive de si mesmo,
Não de cultivo alheio ou de presença.
Ninguém abra a sua porta
para ver que aconteceu:
saímos de braço dado,
a noite escura mais eu.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Não vos iludais o velho que aqui vai:
Eu quero os meus brinquedos novamente!
As altas tôrres, que fundei no vento,
Levou, em fim, o vento que as sostinha;
Do mal que me ficou a culpa é minha,
Pois sôbre cousas vãs fiz fundamento.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação