Que Me Quereis, Perpétuas Saudades?
de Luís Vaz de CamõesQue me quereis, perpétuas saudades?
Com que esperança inda me enganais?
Que o tempo que se vai não torna mais,
E se torna, não tornam as idades.
Que me quereis, perpétuas saudades?
Com que esperança inda me enganais?
Que o tempo que se vai não torna mais,
E se torna, não tornam as idades.
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.
Posso agora dizer ao tempo, em seus rigores:
- Não envelheço, não! podeis correr, sem calma,
Levando na torrente as vossas murchas flores
Ninguém há de colher a flor que eu tenho n'alma!
Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram
É a dor da Força desaproveitada,
- O cantochão dos dínamos profundos.
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Amar-te por amar-te: sem agora:
Sem amanhã, sem ontem, sem mesquinha
Esperança de amor, sem causa ou rumo.
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?
Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir
Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.