Conheca a vida e os poemas de Carlos Drummond de Andrade, o maior poeta modernista do Brasil. Veja versos como No Meio do Caminho e José que marcaram gerações.

Carlos Drummond de Andrade (1902–1987) é considerado um dos maiores poetas da literatura brasileira e um dos nomes centrais do Modernismo no século XX.
A sua poesia reflete a solidão, a passagem do tempo, a existência humana, o amor e a ironia, sempre com uma linguagem simples, mas de profundidade filosófica e emocional.
Drummond foi mestre em transformar o quotidiano em arte e em mostrar a grandeza das pequenas coisas da vida.
🧒 Breve Biografia
Carlos Drummond de Andrade nasceu em 31 de outubro de 1902, em Itabira, Minas Gerais, no seio de uma família tradicional. Formou-se em Farmácia, embora tenha seguido carreira como funcionário público e jornalista.
Em 1930, publicou o seu primeiro livro de poemas, “Alguma Poesia”, obra que marca o início da segunda fase do Modernismo brasileiro, caracterizada pela introspeção e pelo humor crítico.
Faleceu no Rio de Janeiro, em 17 de agosto de 1987, deixando uma das mais ricas heranças poéticas da língua portuguesa.
📚 Obras Principais
Entre as suas obras mais importantes destacam-se:
- Alguma Poesia (1930)
- Sentimento do Mundo (1940)
- A Rosa do Povo (1945)
- Claro Enigma (1951)
- Lição de Coisas (1962)
- Boitempo (1968–1979)
Esses livros mostram a evolução da sua escrita — da ironia modernista à reflexão existencial, da crítica social à busca metafísica.
💬 Temas Recorrrentes em Drummond
- O homem e o mundo moderno: a solidão, o isolamento e o desencanto.
- A memória e o tempo: o passado como espaço de reflexão e perda.
- O amor e a impossibilidade: o sentimento humano e as suas contradições.
- A cidade: o Rio de Janeiro e a modernidade urbana como pano de fundo existencial.
- A ironia e o humor: o uso da ironia como forma de crítica e resistência.
🖋️ Poemas Famosos de Carlos Drummond de Andrade
🌑 No Meio do Caminho (Alguma Poesia, 1930)
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
🪨 Comentário: Este é talvez o poema mais famoso de Drummond. Representa a metáfora dos obstáculos da vida — aquilo que se repete, que cansa e marca a existência humana.
💭 Poema de Sete Faces (Alguma Poesia, 1930)
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta o meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é o meu coração.Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
🌙 Comentário: O poema marca o nascimento da consciência poética. O “anjo torto” simboliza o destino de quem vive à margem — o poeta, o sensível, o observador da vida.
🌹 A Rosa do Povo (A Rosa do Povo, 1945)
A rosa é paradoxal:
nasce do pó, floresce no lodo,
e mesmo assim perfuma o mundo.A rosa é o povo —
que sofre e resiste,
mas não perde a beleza
nem o sonho.
🌹 Comentário: Neste poema (símbolo do livro homónimo), a rosa representa a resistência e a esperança em tempos de guerra e ditadura. A poesia de Drummond torna-se social e coletiva.
🕊️ José (A Rosa do Povo, 1942)
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
💔 Comentário: Um dos poemas mais célebres da língua portuguesa. Representa a crise existencial e social do homem moderno, perdido entre a realidade e o desencanto.
⏳ Memória (Claro Enigma, 1951)
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
🕯️ Comentário: Neste poema, Drummond reflete sobre a perda e a permanência da memória. As “coisas findas” representam o que passou, mas que continua a existir dentro de nós.
❤️ Amar (Claro Enigma, 1951)
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?Sempre, e até de olhos vidrados, amar?
💞 Comentário: O amor é visto como uma força inevitável e contraditória, que define o ser humano. Mesmo na dor, amar é o destino inevitável.
🌍 Legado Literário de Carlos Drummond de Andrade
Drummond é considerado o poeta da modernidade brasileira. A sua obra percorre três fases principais:
- Fase irónica e individualista (Alguma Poesia): crítica à sociedade e ao próprio eu.
- Fase social e coletiva (A Rosa do Povo): poesia engajada com as dores do mundo.
- Fase filosófica e existencial (Claro Enigma): reflexão sobre a morte, o tempo e a transcendência.
Além disso, o autor é conhecido por transformar o cotidiano em reflexão poética, dando voz à humanidade comum — o “homem comum” que sofre, ama e sonha.
🧭 Conclusão
Carlos Drummond de Andrade é o retrato da alma moderna: irónica, melancólica, lúcida e profundamente humana.
A sua poesia continua atual por expressar as angústias, esperanças e contradições universais do ser humano.
Ler Drummond é reencontrar-se com a vida em cada verso — com as pedras do caminho, com o amor imperfeito e com o tempo que insiste em passar.