Não: Não Digas Nada!
de Fernando PessoaSupor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já
É a dor da Força desaproveitada,
- O cantochão dos dínamos profundos.
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!
Amar-te por amar-te: sem agora:
Sem amanhã, sem ontem, sem mesquinha
Esperança de amor, sem causa ou rumo.
Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir
Pensei que era apenas demora,
E cantando pus-me a esperar-te.
Permita que agora emudeça:
Que me conforme em ser sozinha.
Mostra-se tão graciosa a quem a mira,
Que nos filtra através do olhar no seio,
Um dulçor que só entende quem o prova.
Penso nas amizades sem raízes;
Nos afetos anônimos, dispersos,
Que tenho sob os céus de outros países...
Penso neste milagre dos meus versos:
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Ah! que eu não morra sem provar, ao menos
Sequer por um instante, nesta vida
Amor igual ao meu!
Um rosto de anjo, límpido, radiante...
Mas, ai! sob êsse angélico semblante
Mora e se esconde uma alma de mulher
A brisa vaga no prado,
Perfume nem voz não tem;
Quem canta é o ramo agitado,
O aroma é da flor que vem.
Virei-me sobre a minha própria existência, e contemplei-a:
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
E este abandono para além da felicidade e da beleza.