De quantas graças tinha, a Natureza
De quantas graças tinha, a Natureza
Fez um belo e riquíssimo tesouro
Luís Vaz de Camões (Lisboa[?], cerca de 1524 — Lisboa, 10 de junho de 1579 ou 1580) foi um poeta nacional de Portugal, considerado uma das maiores figuras da literatura lusófona e um dos grandes poetas da tradição ocidental.
Pouco se sabe com certeza sobre a sua vida. Aparentemente nasceu em Lisboa, de uma família da pequena nobreza. Sobre a sua infância tudo é conjetura mas, ainda jovem, terá recebido uma sólida educação nos moldes clássicos, dominando o latim e conhecendo a literatura e a história antigas e modernas. Pode ter estudado na Universidade de Coimbra, mas a sua passagem pela escola não é documentada. Frequentou a corte de D. João III, iniciou a sua carreira como poeta lírico e envolveu-se, como narra a tradição, em amores com damas da nobreza e possivelmente plebeias, além de levar uma vida boémia e turbulenta. Diz-se que, por conta de um amor frustrado, autoexilou-se em África, alistado como militar, onde perdeu um olho em batalha. Voltando a Portugal, feriu um servo do Paço e foi preso. Perdoado, partiu para o Oriente. Passando lá vários anos, enfrentou uma série de adversidades, foi preso várias vezes, combateu ao lado das forças portuguesas e escreveu a sua obra mais conhecida, a epopeia nacionalista Os Lusíadas. De volta à pátria, publicou Os Lusíadas e recebeu uma pequena pensão do rei D. Sebastião pelos serviços prestados à Coroa, mas nos seus anos finais parece ter enfrentado dificuldades para se manter.
Logo após a sua morte a sua obra lírica foi reunida na coletânea Rimas, tendo deixado também três obras de teatro cômico. Enquanto viveu queixou-se várias vezes de alegadas injustiças que sofrera, e da escassa atenção que a sua obra recebia, mas pouco depois de falecer a sua poesia começou a ser reconhecida como valiosa e de alto padrão estético por vários nomes importantes da literatura europeia, ganhando prestígio sempre crescente entre o público e os conhecedores e influenciando gerações de poetas em vários países. Camões foi um renovador da língua portuguesa e fixou-lhe um duradouro cânone; tornou-se um dos mais fortes símbolos de identidade da sua pátria e é uma referência para toda a comunidade lusófona internacional. Hoje a sua fama está solidamente estabelecida e é considerado um dos grandes vultos literários da tradição ocidental, sendo traduzido para várias línguas e tornando-se objeto de uma vasta quantidade de estudos críticos.
De quantas graças tinha, a Natureza
Fez um belo e riquíssimo tesouro
Se males faz Amor, em mim se vêem;
Em mim mostrando todo o seu rigor,
Ao mundo quis mostrar quanto podia.
Mas todas suas iras são de amor;
Porém, como em casos tais
Ando já visto e corrente,
Sem outros certos sinais,
Quanto me ela jura mais,
Tanto mais cuido que mente.
Mas não servia ao pai, servia a ela,
Que a ela só por prêmio pertendia.
Os dias na esperança de um só dia
Passava, contentando-se com vê-la:
Assim que a vida e alma e esperança,
E tudo quanto tenho, tudo é vosso,
E o proveito disso eu só o levo.
Tu, só tu, puro amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua.
É tudo quanto sinto, um desconcerto;
da alma um fogo me sai, da vista um rio;
agora espero, agora desconfio,
agora desvario, agora acerto.
Se tanta pena tenho merecida
Em pago de sofrer tantas durezas,
Provai, Senhora, em mim vossas cruezas,
Que aqui tendes u'a alma oferecida.
Que me quereis, perpétuas saudades?
Com que esperança inda me enganais?
Que o tempo que se vai não torna mais,
E se torna, não tornam as idades.
O fogo que na branda cera ardia,
Vendo o rosto gentil que na alma vejo.
Se acendeu de outro fogo do desejo,
Por alcançar a luz que vence o dia.
Busque Amor novas artes, novo engenho
Pera matar-me, e novas esquivanças,
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.
Porque sempre a encolhida cobardia
De pedra serve ao livre pensamento.